The Martian

Há casos em que isto se compreende.

Não temos, por exemplo, palavra que equivalha a Snatch. Quer dizer, não temos palavra para o sentido pretendido (snatch também poderia ser um forte palavrão paravagina). Traduzir Snatch à letra ficava feio (arrebatar? palmar?).

Ficou Porcos e Diamantes. São dois elementos que ficam interessantes quando juntos. Para além de serem essenciais no filme, mas não reveladores de nada do que se passa.

Do mesmo modo, Lost in Translation é uma expressão idiomática inglesa que, quase de propósito, ficaria perdida na tradução se a tentassem traduzir. Em vez disso arriscaram O Amor É Um Lugar Estranho.

Poético. Misterioso, quase como o título de um romance (pena que o filme seja uma merda).

Mas depois há casos em que não consigo entender o que fizeram.

Shaun of The Dead foi transformado em Zombies Party. A tradução nem sequer traduz; tanto Zombies como Party são palavras inglesas.

Ainda há os famosos casos de quem traduziu Die Hard e My Girl para Assalto ao Arranha Céus e O meu primeiro beijo, respectivamente. Cometeram os erros de focarem os títulos nos personagens errados. Depois, como certamente se lembrará de ler nas notícias, quando se descobriu que esses filmes iam ter sequela, os tradutores foram banhados em alcatrão quente e posteriormente cobertos de penas, para serem exibidos num carril.

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E isto leva-nos a The Martian.

The Martian é um título que engana. Refere-se a um terráqueo. Mas aí é que está! É inesperado. Dá-nos a entender qual é o enredo, em vez de o vestir com um tutu e de o pôr a dançar o can-can em frente aos nossos olhos enquanto segura uma placa que diz “EU SOU O ENREDO!”.

E foi exactamente isso que fizemos ao chamar-lhe Perdido Em Marte.

O pior é que nós temos uma palavra para Martian: Marciano. É exactamente a mesma palavra! Foneticamente é quase igual, o significado é o mesmo, e visto que ainda estamos relativamente atrasados em termos de relações com os marcianos, não há nenhum significado metafórico ou pejorativo que nos leve para outro sítio diferente do original. Quer dizer, tanto quanto eu sei – talvez tenham feito isto para evitar que algures no país hordas de cidadãos preocupados ao ler o título dissessem algo do género “Marciano? Mas agora estamos a celebrar o abuso a menores?!”, devido a um termo obscuro que desconheça.

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O título escolhido, Perdido em Marte, conta-nos detalhadamente uma das únicas duas coisas que acontecem no filme. A outra, <atenção ao spoiler>, é o gajo ser achado em Marte.

E é curioso que eles nos contem o que vai acontecer antes de nós o vermos a acontecer. Porque é EXACTAMENTE O PROCESSO NARRATIVO DO FILME. Até instalam uma câmara em Marte para o Matt Damon poder explicar o que vai acontecer a seguir!

Por exemplo, o Matt Damon abre o frigorífico e vê que só tem duas fatias de queijo. Então ele vai para a frente da câmara e diz “eu hoje abri o frigorífico e só tinha duas fatias de queijo”. Depois corta para a Terra, onde temos que ouvir uns cientistas da NASA a falar – com termos para leigos – sobre como planeiam colocar um elástico gigante à volta das Petronas, para criar uma grande fisga, e fisgar queijo para Marte. Os próximos 10 minutos são eles a meter um elástico gigante à volta das Petronas e a fisgar queijo para Marte.

Vês o quão redundante isto se torna?
Parece que estamos a ver o raio de uma apresentação em Power Point!

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É uma espécie de oposto polar do Water World.

Na obra prima de Kevin Costner, o herói – que só fala quando é preciso – está num mundo de água e tem problemas quando tem companhia. Os problemas que surgem avançam a história e são resolvidos com engenhos e geringonças que são improvisados em tempo real.

Em Perdido Em Marte, o herói – que nunca se cala – está num mundo de areia e tem problemas por não ter companhia. Os problemas que surgem retêm a história num hiato (presumivelmente porque há um contrato que obriga os filmes a terem 2 horas de duração) e são resolvidos com exposição verbal que nos é regurgitada para cima antes de se proceder à acção.

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Resumindo tudo, a ideia que estou a vender é que The Martian é tipo o Water World… só que em mau.

PS.: Em Novembro de 2011, a NASA anunciou falência.

Por volta de Novembro de 2013, 2014 e 2015 saem, respectivamente, Gravity,Interstellar e The Martian e agora a NASA até já explora Marte. A pergunta que eu faço é: a malta das teorias da conspiração anda a dormir ou o quê?

PPS.: Enquanto via Jeff Daniels (conhecido por Aquele-dos-Doidos-à-Solta-que-não-é-o-Jim-Carrey), não pude deixar de me debruçar acerca da última vez que fui ao cinema ver o Jim Carrey numa grande produção.

 

 

Link para o artigo original:

Cinema a sério: The Martian

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